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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Chamem a polícia!


Muitos dos leitores mais frequentes deste blogue devem estar admirados com a publicação deste anúncio. Não é caso para isso. Como já tive ocasião de esclarecer num comentário deixado na notícia do "Público", nunca iria a uma manifestação destas. Porque não perfilho a sua fundamentação teórica, os desenvolvimentos violentos associados e, de um modo geral, a violência como argumento político-ideológico. E até porque, já agora, a malta dos djambés é algo repetitiva e previsível. Sabe-se que a lei regulamentadora do direito de manifestação - Decreto Lei nº 406-74, de 29 de Agosto - é claramente arcaica, inconstitucional e necessitada de substituição urgente. Pelas razões que aqui aduzi. Porém, não é dela que agora me ocupo, mas sim de possíveis actos de vandalismo ou de confrontação com polícias ou civis. Foi esse o cenário do ano passado e que, espero, agora não se repita, na suposição de que as partes envolvidas tenham retirado os devidos ensinamentos. Mesmo assim, em defesa deste tipo de acções, gostaria de acrescentar o seguinte:
Esta é uma manifestação anti-autoritária e não anti-policial, ou anti-autoridade. São coisas muito diferentes, como se sabe.
Ao contrário do que afirma Paulo Pinto Mascarenhas, no blogue "Atlântico", não me parece que se deva "punir" o que ele considera ser a extrema-esquerda associada a estas flash mobs, da mesma forma que foi punido Mário Machado. Convem desfazer a confusão. O líder dos skinheads foi condenado pela prática de vários crimes. Se os manifestantes desta acção de rua praticarem algum ilícito, deverão ser igualmente sujeitos à acção penal. A lei é igual para todos. Outra coisa, bem diferente, é a motivação ideológica do extremismo de uns e de outros. Será mais merecedor de legitimidade pública o apelo à violência racial ou a denúncia pacífica, ainda que exaltada, dos abusos cometidos pelas autoridades policiais? A resposta é bem clara, como devem supor.
Tenho lido várias reacções na blogosfera e fora dela, sobre este assunto. Vou-me ocupar só de dois tipos de comentários: os do tipo securitário e os que advêm de arcaismos culturais. Os primeiros, já se sabe, resumem-se em duas frases: "querem atacar a polícia, esta malandraje? não pode ser, queremos é mais polícias na rua e menos criminosos à solta!" Os segundos atestam uma realidade um pouco mais complexa. Mas que se sintetizam, grosso modo, naquele fantástico naco de retórica bem português "olha olha, vão mas é trabalhar, malandros!".
Numa sociedade onde se cultiva o ócio e o hedonismo, as interjeições mencionadas já começam a ser anacrónicas. Mais ainda para discípulos de La Boétie, o grande amigo de Montaigne e autor do "Discurso da Servidão Voluntária", como é o caso do escriba. Os queixosos que tenho lido lamentam-se que têm que se levantar cedo para ir trabalhar, ao contrário destes "calões e vadios". Pergunto: e então, não gostam do que fazem? Se gostassem, não se queixavam! Os regimes mais sinistros de que há memória começaram assim, com o ressentimento do homenzinho comum em relação àquilo que é incapaz de compreender ou sequer de imaginar: precisamente que há mais vida para além da vidinha.