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quarta-feira, 19 de março de 2008

O regresso de Tarantino


Aguardava com alguma expectativa a estreia entre nós do badalado We're all Sisters (Somos Todas Irmãs), o último filme de Quentin Tarantino. Depois de Death Proof (Prova de Vida), saído no ano passado, o realizador continua a apostar forte na estética trash movie, com que parece dar-se bem. Como, de resto, se poderá confirmar através da leitura de uma curiosa entrevista, em que reage às críticas negativas a este seu car chase movie. Desta vez, pega em ambiências apocalítpticas, com muita violência à Kitano, e um humor escatológico a que já nos habituou. Revelando algum apego à tradição, desta vez recorreu a actores que já participaram em criações suas: Valeria Golino e Sammi Davis, de Four Rooms (Grande Hotel), 1995; Ernest Liu, de From Dusk Till Dawn (argumento), 1996; Michael Madsen e Steve Buscemi, de Reservoir Dogs (Cães danados), 1992; Bridget Fonda, de Jackie Brown, 1997. Por sua vez, o argumento foi escrito em parceria com Robert Rodriguez, uma colaboração que já vem de Four Rooms. A fórmula que, a meu ver, melhor resulta no cinema de Tarantino é a diversão pela diversão, o recurso permanente a certa iconoclastia pós-cinematográfica. Quando não se leva a sério, e não é declaradamente para se levar a sério, Tarantino consegue, com um humor negro hardcore, produzir momentos que já fazem parte da história do cinema. Aconteceu, por exemplo, com Pulp Fiction e volta a acontecer com We're all Sisters. O típico filme-zombie, que toma de assalto alguns clássicos do género, como Escape From New York ou Dawn of The Dead. O filme parte do velho cliché da experiência bio-química que corre mal, espalhando uma nuvem esverdeada que zombifica todos aqueles a quem a ela são expostos e originando uma onda de criminalidade gratuita. A partir do momento em que a mutação dá lugar, não é preciso dizer que a narrativa se torna secundária, perante um verdadeiro banho de vísceras e membros decepados. A salvação acaba por chegar através da audição prolongada de um espécie de top ten dos hits de rhythm'n blues dos anos 70, enquanto se exercita uma sequência de movimentos de artes marciais. Tarantino continua a levar a melhor nesta brincadeira a que chamam cinema.

NOTA: não é, mas podia ser. Um tributo a Borges e às suas críticas a livros que nunca existiram.