Uma noite de insónia deu nisto: acompanhar a emissão especial da CNN dedicada às eleições primárias nos EUA e em especial aos resultados que iam chegando da Super Terça Feira. Centrei-me no campo democrata, onde está tudo em aberto - diferença de 20 delegados - embora Hillary, em vantagem, tenha todas as condições para embalar para a nomeação. Já há muito tinha percebido que Hillary Clinton seria a melhor escolha para a próxima presidência. Ontem, essa posição ganhou uma consistência definitiva. Em primeiro lugar, porque em relação a Obama criou-se a ideia de associar a sua pertença a determinada etnia e a possibilidade de ser eleito a uma espécie de revolução inimaginável. Um erro crasso. Ontem apercebi-me do seu tipo de discurso: justicialista, centrado nas desigualdades sociais, em especial de base étnica. Uma mensagem para o seu eleitorado-alvo, os negros. Abundam as palavras "change" e "hope", numa espécie de homilia próxima de Martin Luther King. Obama vê-se a si próprio como o catalizador de uma missão redentora, extirpadora dos vícios dos políticos de Washington e do "sistema" em geral. Criou um "movimento", um programa político que funciona por agregação e não pela busca de denominadores-comuns, pela abdicação do intervencionismo na esfera externa e pela concentração de recursos nas políticas sociais. Um discurso sedutor, como se adivinha. Mas muito deficitário quando se trata de lidar com as variáveis macro-económicas internas, a globalização e as potencias económicas emergentes. A Obama falta a experiência que sobra a Hillary. Talvez daqui a oito anos desse um bom Presidente. Por outro lado, aquela não precisa de grandes tiradas messiânicas para demonstrar o seu know how, o seu conhecimento e, acima de tudo, as suas qualidades intrínsecas para o desempenho das funções a que se candidata: capaz de reformar sem rupturas, de encontrar uma solução política para o Iraque sem demagogias. Mas tem ainda um longo caminho pela frente, pois luta contra um movimento cada vez mais étnico e populista. De qualquer modo, em caso de empate triunfará o bom-senso, uma vez que a maioria dos chamados super-delegados, personalidades afectas a cada um dos partidos e não comprometidos com o candidato por quem foram eleitos, não deixarão de apoiar Hillary.