Foi divulgado recentemente o relatório da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) sobre o estado da nação. Que poderá ser aqui lido na versão integral. O documento teve amplas repercussões ao longo da última semana. É que o diagnóstico não é brilhante. Logo a abrir, é apontado um "difuso mal estar" na sociedade portuguesa, "que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional". Simultaneamente, assiste-se a uma "degradação da confiança no sistema político". Neste ponto, a crítica aos partidos políticos é arrazadora:
" a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; não devem ser um objectivo em si mesmos... É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural. Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica."Mais à frente, aponta os sectores mais problemáticos do sistema: valores, justiça, comunicação social, criminalidade e insegurança. Sobre o excesso de zelo dos agentes que aplicam a lei e a falta de bom senso do legislador, é demolidor:
"Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou. E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas."Neste ponto, o documento veicula um aviso que é preciso tomar a sério:
"O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever."Conclui fazendo um apelo à introdução de correcções no funcionamento do sistema, uma espécie de elenco de boas práticas, a desenvolver com carácter de urgência. Nesta matéria, destaco a seguinte:
"Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável."Conclusões:
- o país real não é, definitivamente, aquele que a propaganda governamental nos quer impingir.
- há uma séria crise de representação no interior do sistema político, cuja dimensão aumenta exponencialmente;
- o sistema de vigilância mútua entre os vários poderes - os célebres checks and balances, garantia última da democracia efectiva - só muito timidamente funciona.
- há sérios problemas sociais e desequilíbrios estruturais, com diferente visibilidade pública, que urge atacar.
- o jogo está viciado para que só os partidos pontuem, profissionalizando a mediocridade e ignorando as mais valias e sectores mais dinâmicos da sociedade civil.
- continuamos a ser um país "de brandos costumes".