A notícia da existência do Euston Manifesto, com o subtítulo Por uma Renovação da Politica Progressista, chegou-me por intermédio do livro "O que resta da Esquerda?", de Nick Cohen (recomendo a leitura no original, pois a tradução portuguesa é miserável). Obra essa já aqui assinalada. O autor foi, de resto, um dos "conjurados" que levou à elaboração deste documento, conforme relata neste artigo do New Statesman, de que Norman Geras, outro dos implicados, faz eco no seu blogue. Tudo começou em Maio de 2005, num pub de Londres: "Na primeira reunião, o nosso debate centrou-se no sentimento comum de divergência com muito do actual pensamento da esquerda. Falámos de como o consenso prevalecente teve ampla representação na imprensa liberal (palavra que, no espectro político, designa a esquerda, nos países anglo-saxónicos), que o ponto de vista do nosso próprio segmento da esquerda foi significativamente sub-representado no mainstream dos media. Tivemos, no entanto, que encontrar um lugar na Internet e na blogosfera, o que contribuiu para conectar pessoas que, de outro modo, se sentiriam isoladas. E deu expressão às vozes e debates de uma esquerda que não aquela que se ouve bem alto em todo o lado: da TV aos jornais, nas universidades e outros locais de trabalho, nos teatros, em mesas e em todo o tipo de encontro social. As suas ideias eram de tal forma inculcadas como sabedoria convencional, que muitos acharam difícil admitir que poderia haver um ponto de vista liberal de esquerda alternativo." (tradução minha). O movimento surge como reacção à coligação Stop the War, liderada por George Galloway - que chegou a ser eleito para o Parlamento - uma fachada eleitoral para o Partido Socialista dos Trabalhadores, uma organização sinistra, com métodos semelhantes aos dos bolcheviques e infiltrada por elementos jihadistas. Galloway organizou manifestações gigantescas contra a guerra do Iraque, não sem antes ter visitado por várias vezes o ditador, louvando a sua "obra" benemérita e ter recusado o apoio a dissidentes, sindicalistas e movimentos que lutavam pelos direitos das mulheres naquele país. O que é então o Manifesto de Euston? Trata-se de uma declaração programática, que expressa um corte limpo com os preconceitos, hipocrisias e duplicidades da velha Esquerda. Uma forma particularmente feliz de dar corpo a um realinhamento político transversal, que se impunha no pós 11 de Setembro. Diz-se no preâmbulo: "Somos democratas e progressistas, e propomos um novo alinhamento político. Muitos pertencemos à esquerda, mas os princípios que propomos não provêm exclusivamente deste âmbito. De facto, abarcamos desde a esquerda socialista até aos liberais igualitários e outros comprometidos de forma clara com a democracia. Na realidade, a reconfiguração do pensamento progressista a que aspiramos implica o traçado de uma fronteira entre as forças das esquerdas que permanecem fiéis aos seus valores autênticos e outras correntes que ultimamente manifestaram uma excessiva flexibilidade a propósito desses valores. (...) A nossa iniciativa funda as suas raízes na Internet, especialmente na “blogosfera”, através da qual encontrou a sua base de simpatizantes. Somos conscientes, não obstante, de que esta base política está sub representada noutros âmbitos, como os meios de comunicação e outros fóruns da vida política contemporânea." (tradução minha). Segue-se o estabelecimento de um movimento de opinião em favor da democracia, direitos humanos, não desculpabilização de qualquer tirania, defesa da verdade histórica e da herança iluminista, direitos humanos para todos, contra a equivalência moral ou o relativismo. A declaração defende especificamente a abolição de todas as formas de racismo, incluindo o anti-semitismo, a liberdade de expressão e de troca de ideias. Condena o anti-americanismo, o terrorismo e os fundamentalismos. Sobre os erros da esquerda, dedicou um parágrafo intitulado "Abertura crítica", mais claramente ideológico, que diz o seguinte: "Baseando-nos na desastrosa experiência das justificações dos crimes do estalinismo e do maoísmo firmadas pela esquerda, assim como nos mais recentes exemplos desta conduta (algumas reacções aos crimes do 11-S, a busca de desculpas para o terrorismo suicida, a recente e vergonhosa colaboração entre o movimento do “não à guerra” e os teocratas dogmáticos), recusamos a ideia de que não pode haver inimigos na esquerda. Do mesmo modo, recusamos a ideia de que não podem fazer-se pontes com ideias e pessoas situadas à nossa direita. Os esquerdistas que fazem causa comum com, ou encontram desculpas para as forças antidemocráticas, devem ser criticados da maneira mais clara e contundente. Inversamente, prestamos atenção a vozes e ideias liberais e conservadoras que contribuem para o fortalecimento das normas e práticas democráticas e à luta pelo progresso da humanidade." O texto está disponível na página oficial em várias línguas e também em castelhano.
Uma verdadeira pedrada no charco, este programa singularmente actual e ainda sem eco no nosso país. Demasiado ocupado com as telenovelas do costume, com uma alinhamento político-partidário anacrónico e um espaço público anémico, como se sabe.
Uma verdadeira pedrada no charco, este programa singularmente actual e ainda sem eco no nosso país. Demasiado ocupado com as telenovelas do costume, com uma alinhamento político-partidário anacrónico e um espaço público anémico, como se sabe.
(publicado no jornal "O Interior")