Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Incursões


Logo de manhã, pus-me a caminho. Destino: serra de Francia, no limite sul da província de Salamanca. Habitar a 25 minutos da fronteira tem as suas vantagens. Comecei por encher o depósito do carro em Fuentes de Oñoro. Esta transacção, para além do que faz poupar, dá-me um gozo suplementar: não pagar IVA à taxa mais alta da Europa, graças ao Governo Sócrates. Mas hoje não me apetece falar sobre a res publica. O objectivo era, 70 km mais à frente, a aldeia histórica de La Alberca, no sopé da Serra de Francia. A zona abrangente está classificada como Parque Natural. Confesso que não me canso de ir respirar um pouco até este lugar único. Mas desta vez não fui só pelas amêndoas torradas ou as caixinhas de pólen, ou os enchidos. O créme de la créme era o percurso pedestre La Alberca - Las Batuecas (14 Km, ida e volta). O troço passava pela zona arborizada da serra e desembocava no ribeiro com o mesmo nome, junto a umas grutas com pinturas rupestres (canchal de las cabras pintadas). O vale de Las Batuecas compreende uma paisagem deslumbrante, no sopé da arriba da Peña de Francia, um conjunto de locais com vestígios do Neolítico e um convento carmelita do séc. XVI. Ao longo do caminho - muito bem sinalizado - um silêncio revigorante, quebrado pelo vento a passar pela copa dos pinheiros e das bétulas, ou por alguma ave mais afoita. Esta é uma das regiões mais inóspitas de Espanha. O seu isolamento deu lugar a uma série de lendas e histórias sobrenaturais. Dizia-se habitado por demónios e seitas ocultas, que os pastores não se atreviam a percorrer, com medo do desconhecido. A este propósito, Lope de Vega escreveu uma peça de teatro intitulada "Las batuecas del duque de Alba". No regresso, tempo ainda para uma visita relâmpago ao cume da Peña de Francia, como é hábito. Um sítio fascinante, onde a magia não tarda a fazer-se sentir. Estes locais estão predestinados ao maravilhoso, ao transcendente. A lenda da imagem que foi encontrada numa gruta e a edificação de um mosteiro quatrocentista falam por si. Era aqui também que vinha regularmente Miguel de Unamuno, quando era docente em Salamanca. Quiçá para encontrar o silêncio que a Universidade lhe negava. Em resumo, um dia em cheio.