A operadora de telemóvel que utilizo acaba de me mandar um sms, lembrando-me das n mensagens grátis que posso utilizar no dia de S. Valentim, especificando-se o radioso destino: a "cara-metade". Foi a gota d'água. Já não bastava o marketing ter adoptado mais uma tradição bastarda para estimular o negócio, expandir o consumismo, com as montras entupidas de souvenirs, as redes sociais na net oferecendo todo o tipo de serviços hi tech, o brain storming publicitário. Faltavam ainda os pacotes de sms para se reenviarem as mensagens "muita giras" recebidas nos anos anteriores, ou sacadas nos serviços de valor acrescentado que disponibizam aos valentinos e às valentinas todo o tipo de lirismo de ocasião. Repare-se que, de acordo com a correcção totalitária em curso, nem se fala em namorado ou namorada, mas "cara-metade". Um asséptico e abrangente eufemismo que nada significa. E porque não à amante? À acompanhante das férias? Mas que merda é esta? Cara-metade? E a inocência, fausta e magnífica? E os corpos nus indissociáveis? E os pequenos gato ávidos, que partilham o pão, o sol e a morte? ? E o sabor a sal, depois de termos nadado no mar como focas? E as nossas corridas no bosque, como raposas, quando rolávamos no chão? E quando não sabia onde nenhum de nós começava ou acabava, casal de serpentes entrelaçadas? Cara metade? Até onde nos querem reduzir?