O PSD da Guarda votou recentemente contra o Plano e Orçamento da Culturguarda, na reunião de Câmara em que o mesmo foi aprovado, graças ao voto de qualidade do vice-presidente da autarquia. O documento é equilibrado e toma em linha de conta a recuperação do défice e a estabilização financeira do TMG, durante o ano de 2007. Surpreendentemente, ou talvez não, a vereadora Ana Manso vem justificar aquela posição com a prioridade a "uma gestão equilibrada" da autarquia, compreendendo "as necessidades básicas da população". E só depois destas, no fim da lista, então "é que podemos aumentar as transferências para a cultura". A tese é exemplificada com umas manilhas de saneamento em Dominga Feia. O que permite concluir, de imediato, o seguinte: 1º a cultura deveria ser um luxo, um adorno tolerado; 2º as necessidades básicas ainda se agitam como bandeira numa agenda política paupérrima; 3º depois do lamentável episódio do aproveitamento da morte de uma criança numa ambulância na Régua, o PSD actual prossegue na senda da demagogia sem escrúpulos. Não obstante, o episódio é notável, pela sua nitidez. Daria um belo epitáfio para o PSD da Guarda, em particular, e para os políticos que enxameiam o país com semelhante "modus operandi", seja qual for a sua cor partidária. Comecemos pelo princípio: falar do ADN do PSD local é um tropismo, mas que não deixa de ser útil. O que dizer então de um grupo de saudosos não assumidos da velha ordem, que misturam os preconceitos da patética burguesia de província com um tom seminarista que fica a matar, de "empresários" que mais não são do que capatazes com jeito para o negócio, que levam à letra a detestável máxima local "quanto pior melhor" (que a contrario quer dizer "venham os incompetentes para os podermos criticar, mas cuidado com quem mostra trabalho, pois esses são para abater"), de néscios que ignoram as novas tendências ao nível da gestão, que fogem a sete pés do verdadeiro e profícuo debate ideológico na direita e ao centro, que pensam pequenino, que correm como hobbits, que actuam por impulsos de clã, nunca por convicções, exímios representantes do poder de veludo local, de que falava Pacheco Pereira, de sindicalistas da inércia, de populistas de vão de escada, de pobres títeres de papelão, de enxertos de um novo-riquismo cada vez mais paroquial, sem uma ideia, um rasgo, um projecto agregador do bem comum, nada que ultrapasse a defesa dos seus negócios, dos seus todo-o-terreno, do seu estatuto, das suas vistas curtas, do seu umbigo, bem no centro do portugal dos pequeninos? Pois bem, aí têm o PSD guardense. E como não há regra sem excepção, é justo apontá-la: a saudosa lista de Carlos Andrade, concorrente à Câmara nos anos 80. O que se disse significa então que as declarações de Ana Manso em nada me surpreenderam. Revelam a génese demagógica e ressabiada da tal escola de virtudes. Incapaz de reconhecer um bom desempenho onde ele existe. Incapaz de uma visão prospectiva da cidade. Incapaz de resistir ao mais torpe eleitoralismo. Mas, para além do pathos, há ainda um elemento novo: uma profunda ignorância sobre o significado estratégico do apoio público às actividades culturais. Uma matéria onde a vereadora deveria escutar com atenção alguns colegas do seu partido, maxime Vasco Rato. Ou ler a revista "Atlântico", por exemplo. Ou viajar pela Europa, ver in loco a importância crescente, cada vez mais consensual, do investimento público na Cultura e no património. Por todo o lado, como aqui expliquei, já se percebeu que quanto maior o volume de recursos afectos á actividade cultural, menores são os custos da sua manutenção. Esta matéria, pela sua sensibilidade, pelo carácter inconspícuo do que coloca em jogo, é pasto abundante para o populismo fácil e imediato. Aquele que prefere coliseus a teatros, salões de festas a foruns artísticos, rebanhos a cidadãos, quinquilharia urbana a bibliotecas, emissários a jornalistas, gente que obedeça a gente que crie. A luta continua. Pois.