Continua a leitura de "As Benevolentes", de Jonathan Littel (ed. D. Quixote, 2007, trad. Miguel Serras Pereira). Desde o "Viagem ao fim da noite", a opus magnum de Céline, que a leitura de um livro não tinha, para mim, o significado exacto de uma experiência absoluta. O protagonista, recém promovido a SS-Hauptsturmführer (posto correspondente, grosso modo, a capitão) ao serviço da SD (unidade especial afecta ao policiamento e segurança nas zonas ocupadas) acaba de chegar a Kharkov, na Ucrânia, cidade que havia sido tomada há pouco pelos alemães. Como retaliação das explosões provocadas por dispositivos retardados que o Exército vermelho tinha deixado para trás, foram enforcados inúmeros civis. A execução eram públicas e os corpos ficavam pendurados nos edifícios mais altos como aviso. Perante tal visão, o narrador prova porque é que a curiosidade e a sede do absoluto são as razões que o levam cada vez mais fundo nesta epopeia do horror:
"Começava enfim a entrever que, fosse qual fosse o número de mortos que viesse a ver, nunca conseguiria captar a morte, esse momento preciso, no seu próprio momento. Das duas, uma: ou se está morto, e então não há de qualquer modo seja o que for a compreender, ou não se está morto ainda e, nesse caso, a própria espingarda sobre a nuca ou a corda ao pescoço é uma coisa que continua a ser incompreensível, uma pura abstracção, essa ideia absurda de que eu, o único ser vivo no mundo, possa desaparecer. Moribundos, talvez já estejamos mortos, mas nunca morremos, esse momento nunca chega, ou antes, nunca pára de chegar, ei-lo, está a chegar, e depois continua a estar a chegar, e depois já passou, sem nunca ter chegado."
Nota: sobre a obra, recomendo a leitura de um excelente artigo de Mario Vargas Llosa.
"Começava enfim a entrever que, fosse qual fosse o número de mortos que viesse a ver, nunca conseguiria captar a morte, esse momento preciso, no seu próprio momento. Das duas, uma: ou se está morto, e então não há de qualquer modo seja o que for a compreender, ou não se está morto ainda e, nesse caso, a própria espingarda sobre a nuca ou a corda ao pescoço é uma coisa que continua a ser incompreensível, uma pura abstracção, essa ideia absurda de que eu, o único ser vivo no mundo, possa desaparecer. Moribundos, talvez já estejamos mortos, mas nunca morremos, esse momento nunca chega, ou antes, nunca pára de chegar, ei-lo, está a chegar, e depois continua a estar a chegar, e depois já passou, sem nunca ter chegado."
Nota: sobre a obra, recomendo a leitura de um excelente artigo de Mario Vargas Llosa.