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domingo, 20 de janeiro de 2008

O fim da ironia

Há dias, no "Combustões":
Com Sir Edmund Hillary, agora levado pela Parca, já poucos heróis trágicos restarão. Que me lembre, Neil Alden Armstrong, com 77 anos, é um sobrevivente dessa raça de gigantes que passou de moda. Os tempos de glória - glória mercenária, glória para marketing - ou vão para os gladiadores dos tempos modernos (os futebolistas, os motoqueiros, os corredores da Fórmula 1) ou para os santos laicos das ditas grandes causas que se profissionalizaram na arte de condoer o coração dos telespectadores. Não os considero, porém, heróis, mas angariadores de pífias cruzadas em que o Zé Ninguém descarrega em outrem a responsabilidade de curar as feridas da consciência colectiva. Os Life Aid, os Médicos disto e daquilo, as ONG's, os profetas do descalabro ambiental, todos eles, são a negação dessa heroicidade que se fazia de rasgos individuais de ousadia extrema. Os horizontes fecharam-se para as grandes aventuras individuais, todo o planeta deixou de ser mistério: há estradas, telefones, internet e hotéis no Tibete e nas estepes da Ásia Central, paquetes de luxo nos mares do Ártico, turismo exótico no Pólo Sul, para ver baleias e focas, Massai de telemóvel em riste no Quénia, heliportos no coração da Amazónia, satélites e GP'S para navegadores solitários perseguidos pela CNN. O mundo perdeu a magia e o feitiço. A geração dos gigantes e dos heróis passou à história...

Acrescento que não é o homem que escolhe o seu destino, mas sim o destino que escolhe o homem. É nesta visão do heroísmo individual que assenta o teatro grego. O profundo significado da tragédia está simplesmente na ironia: ela trata não dos pontos fracos dos protagonistas, mas dos seus méritos. O herói é empurrado sem apelo para a metáfora trágica não pelos seus defeitos mas pelas suas virtudes. Será que já esquecemos este legado fundamental?

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