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sábado, 1 de dezembro de 2007

Crimes exemplares - 19

É uma mulher de 35 anos. Por volta das seis da tarde, quando regressava do trabalho, lembrou-se que deveria passar pelo supermercado. Tinha-se esquecido de comprar ovos e farinha na compra do mês e hoje queria oferecer um bolo a si própria. Há muito tempo que não fazia um bolo. Não tem família. Vive sozinha desde a morte da mãe. Gosta de coisas simples, do gato, dos vasos que rega diariamente, do sol, e de vez em quando de fazer bolos. Agrada-lhe o tempo de espera enquanto o bolo coze. É como se sentisse que mesmo seguindo rigorosamente as receitas, os resultados não dependessem exclusivamente de si. Quando abre o forno e se depara com a forma e o cheiro final é sempre um momento de grande satisfação, até nas ocasiões em que o resultado não é o mais desejado. É daquelas pessoas que acha que nada acontece por acaso e que para tudo há uma solução, e portanto, não se aborrece quando o bolo sai do forno completamente queimado. As amigas estão quase todas casadas. Algumas já têm filhos. No trabalho perguntam-lhe dia sim, dia não se já arranjou namorado. Responde-lhes que se está solteira é porque Deus assim quer e que se sente feliz com a vida que tem. Esperar não é coisa que lhe cause angústia. Talvez graças às horas que passa no jardim a compor a relva, aqui e acolá remexida. Sobretudo nos dias em que o aroma do bolo se desprende do fogão.

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