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terça-feira, 18 de setembro de 2007

A náusea

Esta manhã, estava tranquilamente na sala a tomar o pequeno almoço. O rádio estava ligado, como sempre. A meio do sumo de laranja, oiço uma fulana à conversa com um emplastro, cujo matraquear não me era estranho. Pelo desenrolar da conversa, vi logo que devia ser um psicólogo, psiquiatra, ou assim. Fui por exclusão de partes: pelo registo vocal não era o Eduardo Sá; também não era o Amaral Dias, pois estava longe da acutilância deste. Então quem seria o gajo? O tema era... sim, já adivinharam, pois, o sexo. Então cheguei lá: era o Júlio Machado Vaz, o sexólogo e tal! Ou como diria um alemão: Das mädchen für alles, isto é, a rapariga para todo o serviço, quando se trata de perorações avulsas nessa matéria. A páginas tantas, por entre banalidades a granel sobre "excitação" e "complexidade da sexualidade feminina" (neste ponto, a tosta mista já começava a a emperrar na garganta) vem o momento alto da converseta: as fantasias sexuais. Aqui, o preclaro Vaz, representante da pedagógica geração de 60, foi im-pla-cá-vel, de tal forma que a outra nem troco dava: "nem de mais nem de menos", "partilhadas com o/a parceiro/a", "vividas a dois", "deviam ser assim e assado", "desta maneira ou daquela", "cuidado com não sei o quê...", etc. Fiquei sem fala! Nem a "rádio escolar" que era obrigado a ouvir na primária, no antigo regime, me deixou este sabor a autoridade. A sensação de que há sempre uns senhores que sabem tudo a nosso respeito, tudo o que é melhor para nós, que já adivinharam os nossos pensamentos mais secretos, que desconfiam dos nossos segredos, para depois nos servirem outros, já embalados, normalizados, híbridos inofensivos, de acordo com as modas e a correcção política. Os mesmos que fixam modelos para os nossos sonhos, na extensão, na viabilidade, no alcance. Repare-se, sempre a dois, com o "parceiro" - mas que raio de termo este, faz logo lembrar uma figura do direito civil chamada parceria pecuária, em que existe um parceiro proprietário e um parceiro pensador - como se essa fosse a norma, com quem se "partilha tudo", é claro, mesmo os sonhos, as fantasias, sob a supervisão dos psis de serviço. Exactamente os mesmo que fixam moldes para a educação, para a aprendizagem. Que sabem sempre qualquer coisa que nós não sabemos. Mas que têm um pavor enorme e inconfessado da fantasia, a verdadeira. Porque intuem o seu enorme poder transgressor, visto que assegura a ligação ao centro, à vitalidade, à verdadeira humanidade. Encaram-na como qualquer coisa instrumental, que é preciso praticar, sem exageros, como quem se solta de um espinho incómodo, de preferência "a dois" e com o manual de instruções à frente. Na sua ausência estará lá o Vaz, pois claro. Que então explicará melhor as questões omissas. Sem deixar de prescrever o que cada um de nós poderá fantasiar. Não vá o diabo tecê-las...
Sabem que mais? Às vezes apetece-me desaparecer pura e simplesmente desta merda. Com o melhor Céline na bagagem.

2 comentários:

  1. Só espero que tenhas conseguido digerir a tosta em condições.
    Genial!

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  2. É a ditadura dos psis.

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