Quase nunca a solidão dá a conhecer o seu verdadeiro rosto. Na maioria dos casos, evocamo-la como uma fábula, ora mais doce ora mais assustadora, consoante o efeito pretendido. Adornamo-la como um falso pressentimento, um anticlimax de Carnaval, um temor descartável. Muitas vezes é a mentira de recurso para chegarmos à verdade. À sombra da qual nos encostamos, sem nunca inverter o paradoxo. Em determinadas circunstâncias, aparecem tímidos sinais, sons longínquos e quase sempre desconcertantes, que poderiam iluminar toda uma vida. Aí, o processo é o inverso: os acenos da verdade transformam-se na mais prolixa das mentiras. E, assim, a opus magnum da aceitação de uma condição fundamental dá lugar à ilusória familiaridade com a vertigem. Perante a qual, curiosamente, mudamos de passeio mal nos cruzemos com ela. Todavia, há momentos em que o encontro é inevitável. Então descobrimos que o que nos assusta não é o que esperaríamos encontrar, mas precisamente o que lá não está. E que uma manobra de diversão não se destina a encobrir o medo, mas o desacerto. A solidão é, talvez, uma impossibilidade que transformamos numa probabilidade, num risco, numa assombração. Outra coisa é o rosto neutro do desamparo absoluto, quando por vezes mostra a sua face brutal. Capaz de derrubar as mais robustas compleições, as mais sólidas certezas. Ocasionar uma irreversível contagem decrescente. Ou então, simplesmente, atiçar o fogo.
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