Ontem à noite estava tranquilamente em casa empolgado com a leitura de "Os Exércitos da Noite", de Mailer, quando fui interrompido por um coro de buzinas de carros, entrecortado por algumas espaçadas exclamações de júbilo. Pensei logo que, para casamento, não só a hora era tardia como as expressões de alegria nada tinham a ver com a solenidade habitual do momento. As penosas festividades académicas também não podia ser, pois em boa hora terminaram na semana passada. Fui então à janela, onde pude observar meia dúzia de automóveis, alguns enfeitados com uma bandeira em tons de azul (que normalmente costumo ver empunhada por manifestantes, nas entradas e saídas do Tribunal e sedes da PJ pelo conhecido fruticultor Pinto da Costa). Seguiam ocupados por alguns cidadãos e cidadãs devidamente uniformizados com cachecol e t shirts azulados, num meio termo entre os despiques automobilísticos celebrizados por James Dean e uma versão pindérica dos transportes báquicos de outras eras. Em vez de evohé, emitiam sonoridades singulares onde o f e o p predominavam. Liguei então o rádio e percebi que tinham acabado de ganhar o que parecia ser o Campeonato. Pensei logo no desbaste que levaram as hortas este ano. Liguei a televisão e, ad nauseum, pude ver repetidas as costumeiras imagens de meia dúzia de ex-reclusos, seguranças de discotecas, alternadeiras em dia/noite de folga e peixeiras aos saltos na Baixa do Porto, empunhando cartazes com máximas latinas, naquela deliquescência orgiástica tão exaltada por Catulo e tão lamentada por Séneca, onde podiam ler-se aforismos como estes: Nam tua res agitur, paries cum proximus ardet. (Quando vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho); Tarde venientibus ossa. ( Quem tarde vier comerá do que houver.), SLB SLB, filius putae, (intraduzível); Tres feminae et tres anseres sunt nundinae. (Três mulheres e um pato fazem uma feira.); Retro sedet ianuam, non invitatus ad aulam. (à boda e a baptizado, não vás sem ser convidado.); Dat veniam corvis, vexat censura columbas. (Só vão à forca os ladrões pequenos.); Vicinum pecus grandius uber habet.(A cabra da minha vizinha dá mais leite que a minha.); Ficum ficum voca.(Pão, pão; queijo, queijo). Consegui mesmo decobrir um infiltrado, arriscando o seu pescoço, com as seguintes palavras de ordem: Tandem óbtinet iustitia. ( A justiça tarda, mas não falha).
As imagens transmitidas de ano para ano são elucidativas quanto à forma recorrente como os adeptos da tal agremiação regional festejam os seus triunfos. Fazem-no com um natural e genuíno entusiasmo, como se vê pela Europa fora? Não, que ideia. O objectivo orgástico do frenesi é achincalhar os clubes concorrentes, da forma que se conhece. Dar expressão ao ódio mesquinho e provinciano e não à alegria plena da vitória. Voltando à Guarda, números bem espremidos, viam-se ontem cerca de cinquenta automóveis buzinando sem destino pela urbe. Vá lá, não houve reféns nem lançamento de petardos...
estavas a ler um GRANDe livro.
ResponderEliminarjá escrevi sobre ele lá no canto
abraço
Genial!
ResponderEliminarGrande abraço.
Como o benfas não teve hipótese não há nada como ler um bom livro e empinar o nariz até à altura máxima. Não caias para trás não vá a ralé, distraída como é, passar-te por cima.
ResponderEliminarPara ilustrar o que foi dito no post, faltava a ralé dizer de sua justiça. O que pode ser observado no comentário anterior.
ResponderEliminarDeixa-me adivinhar... O "anónimo" deve fornecer fruta ao "Apito" da Costa a um preço especial.
ResponderEliminarNão fosse um mero anónimo cobardolas quem lhe dava a "fruta" era eu!...
Godgil, tenta, pelo menos, identificar essa ralé ameaçadora. Gostaria de medir "narizes" com ele para ver quem cairia para trás.
ResponderEliminarPaulo:
ResponderEliminarA ralé, por definição, é cobarde e anónima. Por isso deixei ficar como está. É didáctico. Tudo o resto é estar a dar demasiada importância a um grupo de bandalhos comandados por um proxeneta corrupto. Talvez um dia, quem sabe, descubram o que é ser um grande clube.
Ironia fina e demolidora. Estás a apurar o estilo. Cá estaremos quando o bimbo-mor der entrada em Custóias.
ResponderEliminarManuel:
ResponderEliminarNão imaginavas que fosses apanhado no meio deste fogo cruzado. Sobre "Os Exércitos da Noite", só te digo uma coisa: já não lia nada assim desde Faulkner. É uma obra decisiva para compreender os anos 60 e a mudança de paradigma da História.