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quarta-feira, 2 de maio de 2007

O encontro

Quando se percorrem países linguísticos, tem-se por vezes a sensação de não se ser mais que uma personagem ou figura absolutamente contingente, virtual, permutável com aquelas que são lidas. Como num leque de espelhos ou universos, em que o passado, o presente e o futuro se confundissem em pura possibilidade.
Assim, enquanto a mula bebe água no riacho, leio a frase de As cidades invisíveis de Italo Calvino: «O homem que cavalga longamente por terrenos bravios sente o desejo de uma cidade» e logo me vejo na garupa do cavalo do porta-estandarte Cristóvão Rilke (antepassado suposto do poeta) cavalgando, cavalgando, cavalgando pela noite, pelo dia, pela noite. Também aqui não há montanhas, apenas uma árvore. Árvore que de noite se incendiou com a mulher que salvei das cordas; no meu peito, «palavras luminosas» trazidas de longe.
Mas porque estou cansado da lucidez da noite e preciso de uma luz mais doce, procuro outra árvore à sombra da qual me recosto. Sou então o Estrangeiro da Anabase de Saint-John Perse, «que passava». Converso com a donzela (nada romântica), que a meu lado se sentou. Coloco-lhe «bagas amargas» sobre as mãos: «Eu vos saúdo, minha filha, sob a maior das árvores do ano». "Nasceu um potro sob as folhas de bronze". Diz ela, ou eu, não sei. Escutamos as folhas que nos escutam: e eis um grande barulhar numa árvore de bronze. A mula afasta-se um pouco. E alguém diz: «Eu vos saúdo, minha filha, sob o mais formoso vestido do ano».

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