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domingo, 18 de março de 2007

Máquina de escrever Dadá

Desde que viemos ao mundo, alguns preguiçosos tentaram fazer-nos crer que a arte existia. Hoje, nós que somos mais preguiçosos ainda, gritamos: “A Arte, não é nada”. Não há nada. Quando todos os nossos contemporâneos terão aceitado por vontade ou por força o que nós lhes dizemos, esquecerão depressa a imensa farsa que tem por nome a arte.
Por que se obstinar.
Não há nada:
Nunca houve nada.
Vocês podem gritar e arremessar-nos na cabeça tudo o que lhes cair nas mãos, vocês sabem muito bem que nós temos razão.
Quem me dirá o que é que é a Arte?
Quem ousará pretender conhecer o Belo?
Tenho à disposição dos meus auditores esta definição da Arte, do Belo e todo o resto:
A Arte e o Belo = NADA.
Vocês naturalmente ainda vão gritar ou rir.
Escutem-me
Um dia, há alguns anos, alguém chamado Jesus Cristo curava os cegos e os surdos. Ninguém lhe prestava atenção. Os médicos, inquietos, reuniram-se. Depois, alguns foram falar com o ministro da higiene e condecorou-se o chamado Jesus Cristo com palmas académicas.
Da minha parte, eu quero abrir-lhes os olhos e vocês riem.
Vocês jamais sereis sérios.

Philippe Soupault (1897-1990)

Sobre o autor:
Poeta francês, amigo de
André Breton e Louis Aragon. Tal como eles, participou na aventura Dada, que considerou como uma « tábua rasa necessária». Para em seguida se voltar para o surrealismo, de que foi um dos fundadores (Vd. Les champs magnétiques). Foi excluído do movimento em 1926, com a alegação de «demasiada literatura» (sic.), numa altura em que o surrealismo se comprometia com a causa comunista. Permaneceu fiel, à sua maneira, à escrita automática. Soupault foi também jornalista, crítico, produtor de rádio e autor de vários romances.

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