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segunda-feira, 5 de março de 2007

A morte em Veneza

Certa tarde em que vagueava junto ao mar, não há muito tempo, entendeu-se sobre o meu olhar o fluxo de uma corrente, dando aos meus pensamentos uma direcção irreversível. Senti que podia avançar por essa estrada sem fim. Onde o fundo azul e luminoso me recolhesse, recuando sempre. E que tivesse ainda de alcançá-lo, segurando-o com os olhos. Pesava a lembrança de um silêncio estranhamente hirto, nas cores amortecidas de muitos crepúsculos. Alternando com a inquietação cálida de uma tarde de verão. Que tantas vezes correu sobre a superfície da minha alma, ardente como os pés ágeis de um bando esquivo de aves regressando a casa. Tão distante, tão risível esse anseio louco de uma palavra inocente e esclarecedora. Fornecida por um inventor qualquer, mas que ameaçasse libertar-se a qualquer momento da sua estranheza. Como se a habitual explicação simples e natural para tudo nada mais fosse do que uma casca externa, que parecia abrir-se sem desnudar o interior. E que agora via rebrilhar, à maneira de uma outra presença. Empurrava-me o pressentimento de uma perplexidade estéril. Da inutilidade de uma trama fremente, perturbadora, mas que será sempre uma linha paralela. Da inevitabilidade das felizes tardes tristes sem dizer coisa alguma. E de que nada serve contar a dor nem abrir a boca com o coração cheio.

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