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terça-feira, 16 de janeiro de 2007

A cena do queijo - 2

Ontem fui mais uma vez ao Serra Shopping, na Covilhã. Já aqui tinha dado conta das impressões recolhidas no local, numa outra incursão. Como nessa ocasião, embora mudando o objecto da procura, o meu propósito era bem preciso: comprar uma camisa branca, umas calças e um queijo de mistura. As segundas-feiras são o dia ideal para este tipo de actividades nos grandes espaços comerciais. O corropio das famílias acabou. As lojas estão vazias. As pessoas têm um ar vagamente nostálgico dos excessos do fim-de-semana. Nas mulheres pesa mais o corpo do que a direcção do olhar. A deriva tem o sabor do retorno à infância. Existe um vagar nos gestos, na atenção concedida aos outros, propícios a grandes negócios. Comecei então pelo vestuário, ao que visitei várias lojas especializadas. Em todas elas aconteceu o insólito: não encontrei nada que me agradasse. Sobretudo porque as "clássicas " Levi Strauss eram objecto desconhecido nas prateleiras. Em contrapartida, abundavam calças pseudo usadas, pseudo remendadas, de marcas com nomes impronunciáveis. Ainda perguntei numa delas, num acesso de curiosidade, se tinham fatos de macaco. Enfim, sempre teriam alguma utilidade. O mesmo se diga das camisas. Resmas delas. Algumas até interessantes, pelo design apresentado. Só que as brancas, para além de raras, primavam pela ausência no tamanho pretendido. Parecia uma conspiração. Não diria de mau gosto, mas de um gosto pouco prático, que atribui uma importância exagerada aos consumidores juvenis de todas as idades. Decidi então ir comprar o queijo. Que encontrei, tal como esperava, numa loja de produtos tradicionais, produzido com leite de cabra e de ovelha. Um regalo. Em seguida, passei pela livraria, desafiando a circunspecção e o saber com o odor honesto do queijo. O que lá encontrei ocasionou mais uma decepção: destaque excessivo dado às edições de ficção "histórica" (que, em rigor, deveria ser arrumada na secção de astrologia, ou de jardinagem), pouca variedade nos títulos apresentados, com algumas editoras pura e simplesmente ausentes e, sobretudo, o nível de preços praticados. Como exemplos, “A Ronda da Noite”, de Agustina Bessa-Luís, custava 19 Euros; "As Origens do Totalitarismo", de Hannah Arendt, 32 Euros; "Uma História da Guerra", de John Keegan, 33 Euros... Nada mau para um país onde o salário mínimo equivale a 403 Euros. Decidi imediatamente fazer uma visita a alguns alfarrabistas de Lisboa, quando lá for. Ou à Livraria Cervantes, em Salamanca, já que a qualidade, o atendimento, a variedade e o preço valem o esforço. Entretanto, encontrei algumas pessoas conhecidas, quer no estabelecimento, quer fora dele. Por fim saí, acompanhado do fiel lacticínio. Devidamente acolitado por 6 garrafas de "Sá de Baixo", Douro Tinto, reserva de 2003. Eleito como um dos melhores nectares nacionais pela crítica especializada. Que encontrei a um preço tão inacreditável que tenho vergonha em dizer aqui. Moral da história, se é que podemos encontrar alguma: é quase sempre mais importante o que se encontra do que o que se procura. E pronto. Ala, que se fez tarde.

2 comentários:

  1. sim, os livros estão caríssimos. bom proveito para os comestíveis e bebíveis...lol

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