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sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

A areia escorre-me

A areia escorre-me por entre os dedos. Caminho pelo crepúsculo, em direcção ao horizonte.
Cada grão de areia está habitado pelo espírito do deserto. Cada poro da minha pele bebe a fria luminosidade das estrelas e o arrepio da noite.
Entre o corpo que se degrada e a morte- a grande morte, a última- deve haver, ou começar, outra coisa. Um lugar qualquer onde possa viver e morrer sem dor. Um lugar feliz.
Pensava eu que a felicidade deveria estar escondida naqueles momentos de perturbação em que me descobria no teu olhar. Enganei-me, passei a vida a enganar-me.
É tarde. Apago-me, vagarosamente.
Deus talvez esteja no fundo do mar, na claridade das águas.
Dentro de mim sinto a melancolia da areia lavada pelo seu movimento invisível, eterno.

Al Berto, O Anjo Mudo

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