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domingo, 17 de dezembro de 2006

Sem título

Santiago, tomada do palácio presidencial La Moneda, 1973

A morte de Pinochet vem recordar à opinião pública o significado da realpolitik praticada pelos EUA um pouco por todo o mundo. A História colocará o ex-torcionário no seu lugar próprio. Fica a vergonha da sua impunidade, caucinada pelo Governo inglês, deixando-o escapar ao juiz espanhol Baltazar Garzon. Fica o apoio entusiástico de Milton Friedman e seus Chicago Boys, os gurus do neoliberalismo económico. Ficam os responsáveis da diplomacia americana que financiaram e deram cobertura ao golpe que derrubou Allende...
A propósito, quando estudava da Faculdade de Direito de Lisboa, recordo-me de um episódio assaz impressionante. Inscrevi-me para frequentar um workshop de expressão corporal, promovido pelo Grupo Cénico, de que na altura fazia parte. Reparei logo na pronúncia do orientador e, sobretudo, na sua enorme capacidade de comunicação, na vastidão do seu conhecimento. Vim a saber, por terceiros, que era o antigo director de um departamento da Universidade de Santiago do Chile. Exilado em Portugal por motivos políticos e cujos únicos rendimentos provinham de acções de formação como esta na área do teatro. Em momento algum alguém o ouviu referir o que quer que fosse acerca da situação no seu país. Passados alguns anos, em 199o, encontrei-o no Estádio, no Bairro Alto. Apresentei-me, lembrando-lhe o teatro. Convidou-me a beber uma cerveja. Disse-me então que tencionava regressar ao Chile, pois a situação política tinha mudado e foi convidado a reassumir as suas funções. Mas que tinha um medo enorme do que iria encontrar. Melhor, do que talvez não encontrasse: amigos, familiares, ex-alunos. Era um homem cruelmente dividido. A sua imensa generosidade, o seu entusiasmo, a sua determinação, tinham agora um preço. Estaria ele disposto a pagá-lo? Pessoalmente, continuo a acreditar que, na semana seguinte, desembarcou no aeroporto de Santiago. Sem chuva.

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