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quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

O sotão - 1

De acordo, é um cliché mais que abusado. Outro dia, staying inside, dei por mim a revolver o sotão da antiga casa, explorando o caos da memória como quem corre de olhos vendados num bosque sem pensar nas consequências. Mesmo sabendo que a o apelo fantasmático do baú do tesouro enterrado na areia é para outras latitudes, não resisti. Mas a recompensa não demorou a chegar: uma caixa cheia de cartas e um caderno cintado e reforçado nos cantos. Havia mais caixas, é claro. Mas aquela chamou-me a atenção, porque ressaltava uma inscrição, em letras grossas: "ninguém ama sem prejuízo". Eram cartas recebidas em resposta às minhas e algumas cópias. Testemunhos de um tempo onde ainda se escreviam cartas. E de amor, ainda por cima. Percebi que, durante muitos anos, escrevi muitas. Extensas, telegráficas, grandes, pequenas, mas todas ridículas, é bom de ver. Sinais de uma verdade impossível de alcançar, mas nem por isso menos real. Empolgada, é certo, mas sempre um passo à frente da simples exaltação, ou da mera fantasia. Num certo sentido, inúteis, todas, como seria de esperar. Porque a sua verdadeira utilidade só muito tempo depois se descobre. Numa delas podia ler-se: "o amor não é uma salvação nem uma perda, mas uma corrida. Por ele corri como um louco durante anos, perseguido por outro louco com uma navalha na mão, talvez o destino, o destino insensato do viajante no deserto ". Agora não o diria melhor.

1 comentário:

  1. Diria mais: é uma guerra civil. Mas vale a pena. Boa, Gil.

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