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terça-feira, 6 de junho de 2006

Confissões de um cão tolerado pela gerência

Toda a gente achincalhou a iniciativa de Marques Mendes na A.R., propondo a institucionalização do Dia do Cão. Repito, toda a gente. O país anda eufórico. Compreende-se. Eu louvo entusiasticamente a proposta. É um acto de uma suprema dignidade, especialmente num país a crédito, alucinadamente futebolês, corrupto, venal, atrasado, em permanente festividade corporativa, onde a vidinha é que conta, onde a solidariedade é letra morta, onde a grandeza e o mérito são relegados para a gaveta, onde o Estado se intromete descaradamente na vida de de cada um.
Dizem os detractores da iniciativa que ela representa o paradigma de uma sociedade hipócrita que, numa manobra escapista, dá direitos a quem não os pediu e tolhe outros de forma inaceitável. Isso é verdade, mas noutros contextos. É que, esta inflação de direitos esconde uma realidade tenebrosa: nunca a diferença foi tão aterradora como neste período de tolerância, como bem notou Pasolini, afastando ainda mais cada um da possibilidade de, autonomamente, clamar pelos seus direitos.
Esta invocação simbólica - o Dia do Cão- diz respeito à nossa humanidade mais profunda, à capacidade de podermos ainda sentir compaixão pela vida. Toda a vida. Valha então aquele olhar terrivelmente humano do bicho. Que me atravessa até à medula. Que me desperta para qualquer coisa que esqueci ao nascer. Que me coloca num lugar anterior a todos os lugares. Igual aos iguais.

2 comentários:

  1. De uma grande lucidez, este post, embora o retrato que tenho do paós não seja assim tão negro.

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  2. E porque não o dia do gato?

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