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quinta-feira, 2 de março de 2006

GYE NYAME

como um desfile de cegos
ao som do alaúde desperto na água tranquila
dos cristais,

assim o dia se estende pela lentidão do ar
que atravessa os muros,
pelas mãos que se despem na neve
- únicos deuses conhecidos

assim o mais leve, o mais límpido rumor
de setembro,
um nome de sangue esquecido nas navalhas,
a respiração das pedras.


como desenhar um bosque de chuva
numa parede de ninguém?

como desenhar um rosto, o meu rosto,
só pelo tempo de os lábios
tecerem o musgo
e as searas fustigarem o leito da luz?


assim um dia meus olhos serão maiores

assim as laranjas se espremem
como seios de rainha

assim a noite se afunda
na palpitação do fogo

O que fazer do meu rosto
- perguntarás-
podia falar-te do mistério dos corvos
em fuga,
quando o gesto das asas parece lembrar
a inquietação desses náufragos
algures entre o sol e o barro.


desvendo antes o segredo
onde eu nascia e somava na pele
os séculos, as frias moradas
daqueles países da ausência,
o incessante respirar,
o retomar do canto.

para vós plantei a aldeia e o trevo,
o talhão de rosas
que arredonda os gestos e os sonhos:

em cada pétala
há um rosto
do teu rosto.


In "Labirintos"

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