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terça-feira, 14 de novembro de 2006

Perlocutório? Vai tu...

Ficámos a saber como os burocratas do Ministério da Educação pretendem reconfigurar o ensino da língua portuguesa nas escolas e, quiçá, combater o insucesso escolar. O "plano" dá pelo nome de Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário. Sobre esta pomposa inutilidade, é imprescindível ler o artigo de Helena Matos saído no "Público" de sábado, de que transcrevo alguns excertos e que poderá aqui ser lido na íntegra:

"O monstro chama-se TLEBS. Para memória futura convém defini-lo desde já como o maior contributo dado por Portugal para a iliteracia das gerações futuras. (...)
Tendo em conta o que sei até agora sobre a TLEBS é natural que registe com agrado o facto de algumas escolas terem encerrado graças à greve dos trabalhadores da função pública. Pior do que uma aula não dada é uma aula onde se ensine isto. Há décadas que os portugueses assistem com um fatalismo inamovível à degradação do ensino em nome da pedagogia, do progresso, do sucesso... Tivemos de tudo e para todos os gostos. A mania dos trabalhos de grupo que todos sabiam ser feitos apenas pelas raparigas do dito grupo; a ideia do ensino lúdico que levou a que desde as contas de dividir até Platão tudo tivesse de ser divertido. No caso do Português de mania em mania fabricaram-se gerações de analfabetos. Adolescentes afogados em livros e jogos didácticos lêem a gaguejar e expressam-se com mais dificuldade do que os seus pais e avós que apenas fizeram a escola primária. Esta espécie de cidadãos semi-analfabetos que concluíram o 9º ano não sofre de insucesso escolar. Antes pelo contrário estes adolescentes são o resultado do sucesso das sucessivas modas pedagógicas que têm estado subjacentes à concepção dos programas e neste caso particular sobretudo dos programas de Português.A TLEBS arrisca-se a repetir no início século XXI o mesmo desastroso processo protagonizado pelas 'árvores' nos anos 80 e ambos os desastres partem do mesmo erro: o de confundir as aulas dos ensinos básico e secundário de português com um curso abreviado de linguística. Aliás um dos aspectos mais perturbantes de toda a concepção das aulas de Português subjacente à TLEBS é que ela sobrevaloriza a fala, a oralidade em detrimento do texto e da Literatura. Primeiro arreigou-se nos espíritos a convicção de que os alunos não se sentiam estimulados com textos literários antigos. Posteriormente já nem os escritores modernos serviam. Os textos literários foram dando lugar a prosas actuais de jornalistas. Por fim nem esses. Seguiram-se-lhes os regulamentos dos concursos televisivos... Com a TLEBS e este império da linguística os alunos vão acabar a analisar os actos de fala da conferência de imprensa da véspera ou da conversa do autocarro. Contudo ninguém perceberá a conferência de imprensa da véspera se não tiver lido autores como o Padre António Vieira. E qualquer conversa em português ganha outro brilho quando se leu Eça.Dentro de alguns anos os manuais escolares contendo as definições da TLEBS sobre as máximas conversacionais e os actos locutórios, perlocutórios e ilocutórios farão sorrir quem os abrir. Tal como hoje acontece com os manuais em que frases devidamente escolhidas eram esquartejadas com setinhas e rectângulos de modo a ilustrarem a florestal visão chomskyana da língua. Como sou empedernidamente optimista sou levada a crer que algo impedirá mais este desastre devidamente anunciado."

PS: alguns exemplos do catálogo: palavra lexicalizada; expressão sintática lexicalizada; composto morfo-sintático subordinado; composto morfo-sintático (estrutura de reanálise); composto morfológico coordenado; origem deôntica; alvo deôntico; sujeito nulo expletivo; complementos proposicionais e adverbiais; modificadores preposicionais e adverbiais do grupo verbal; modificadores adverbiais da frase.
Não, não é literatura dos fármacos. Nem esperanto. Querem que repita?

3 comentários:

  1. Será que andam a distribuir alucinogénios no Ministério da Educação?

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  2. Vale a pena ler a carta ao director do público de hoje sobre este artigo.

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  3. Não vi essa carta, mas tenho pena.

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