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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Elogio de dois hispânicos

Ninguém se apercebeu do destino de Adolfo Suárez, o Primeiro Ministro da transição em Espanha que fundou a União do Centro Democrático, a qual desapareceu ante o projecto do Partido Popular dum vaidoso Aznar. Suarez vive mais ou menos escondido tendo apenas aparecido ano passado para apoiar a candidatura do seu filho à Região de Castela.
Suarez começou como ambicioso jovem do Movimento Nacional de Franco que conjugava a Falange-JONS, os réquétés, outros monárquicos e as Direitas espanholas autónomas. Acabou por herdar de Arias Navarro, o Primeiro-Ministro espanhol que alinhou a divisão de élite espanhola na fronteira com Portugal, no Verão quente de 1975, e acabou por ter de se demitir. A ele pertence um daqueles monumentos da Política em que só se começa a reparar, ao fim de muitos anos. Quando a Guardia Civil entrou dentro do Parlamento, aos tiros, só dois homens não se baixaram. Um general e Suárez que, como Presidente do Governo permaneceu imóvel e em silêncio, no podium, em frente aos microfones. Diz-se que foi um dos discursos políticos mais importantes da História de Espanha, pronunciado em absoluto silêncio, durante cerca de duas horas. Alguém insinuou que a sua verticalidade tinha a ver com compadrio com os golpistas. Suárez sabia que se o matassem, os gritos da sua juventude de falangista sairiam anacrónicos. Se gritasse pela Democracia, alguém se riria dele. Ficou o seu enorme silêncio, porque a cruz enorme que carregamos, não se vê. E ele levou-a ao seu lugar.

Morreu Palma Inácio, esse homem corajoso muitas vezes, gentil, louco, humilde. Foi ele que inventou os desvios de avião e, como aqueles anarquistas russos que, se a bomba que tinham posto matava inocentes, se apresentavam depois na esquadra da polícia, quem me dera que Palma Inácio fosse o mecânico do avião da Air France que caiu. Este mecânico aeronáutico representa esse estranho povo, os Citinos, que se instalaram no Algarve e obrigaram o Rei de Portugal a juntar ao título, o de «Rei dos Algarves». São gente grácil, misteriosa, obcessiva, livre até a Liberdade se esfarrapar e dissolver no Universo. Não se pode confiar neles mas apenas no Deus cigano e luminoso que os incendeia. Morreu sem dinheiro para pagar o lar onde a sua alma ia passando para um Paraíso inconsciente. Ficará o Luar, ao qual atacava, roubava, fugia, como Zé do Tilhado, como Robin Hood.

De ambos me lembra a frase do Padre António Vieira: «Se cumpriste o teu dever e o Estado te tratou mal, tu fizeste o que tinhas de fazer e o Estado fez o que é de esperar».

André

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