Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O binómio

O ambiente é de euforia. Obama será o 44º presidente dos EUA. O manto da unanimidade paira sobre a Terra. Todos descobriram uma razão para festejar a vitória. A maioria porque se trata do primeiro "não branco" a tornar-se o homem mais poderoso do mundo. Claro que o puro acontecimento histórico, jornalistico, cultural, é de peso. Obama será certamente o "Homem do ano" eleito pela "Time". E com toda a justiça, acrescente-se. Pela minha parte, sempre acharei que Hillary teria sido melhor presidente. E não será, muito menos agora, que mudarei de opinião. Mas voltando ao cerne do entusiasmo e do aplauso que acompanhou a eleição, pouco me interessa a cor da pele de Obama. Aliás, isso é precisamente o que menos me interessa. Se for mais sensato, audaz e esclarecido do que o seu antecessor, o que não será difícil, terá o meu aplauso. Todavia, tenho uma profunda desconfiança em relação ao movimento messiânico que a sua campanha criou. Que nada tem a ver com a onda dos Kennedy, que varreu a America nos anos 60. Neste caso, imperava a sede de liberdade, de respeito pelos direitos civis, de políticas sociais consistentes, de um hedonismo inocente e transversal. No caso de Obama, a matriz é religiosa, tribal, criada por um ídolo televisivo que promete esperança e manda esperar. Este binómio espera-esperança é a linguagem algorítmica de todas as religiões. Menos do budismo, claro. Nessa linguagem binária, em vez de 0.1.00. 1.11.0, temos esperança esperança. espera. espera. esperança. espera espera. A receita tem alcançado um imenso êxito ao longo da história, com alguns resultados que se conhecem: guerras, fanatismo, anulação do outro, subalternização da mulher, etc. Claro que também há a sede de justiça, uma espiritualidade profícua, mas essa foi sempre reservada para a nata pitagórica. Acontece que sou um pessimista moderado. Entre outras coisas, acredito que a natureza humana é basicamente determinada pelo poder e pelos genes. E que andamos todos a lutar contra todos, à maneira hobbesiana. Mas essa é a parte bestial. O mais importante, isto é, a dimensão exclusivamente humana, vem depois. A arte e a compaixão são os modos mais óbvios de a abraçar e reinventar, fugindo a um sinistro determinismo. Mas que dispensa, naturalmente, a intervenção de ídolos.

2 comentários: